
O artigo de Fabiano Lana analisa o dilema da direita brasileira diante das eleições de 2026, refletindo sobre como lidar com milhões de eleitores que seguem a extrema direita por convicção. O autor discute a estratégia do centro-direita de lançar candidatos fora do bolsonarismo para capturar votos moderados e evitar a reeleição de Lula, destacando os riscos do bolsonarismo para a democracia e para a sociedade.
A aposta centro-direitista seria evitar um Bolsonaro em disputa pela presidência para colher os votos dos bolsonaristas sem opção e dos moderados
Por décadas, o Brasil viveu um consenso ilusório e ingênuo. Imaginava-se que o fim de duas décadas de ditadura representaria a união de todo um País em torno da democracia e uma série de valores compartilhados. Que agora as tarefas da sociedade eram outras, mais práticas. Como superar a inflação, a miséria, a desigualdade. As disputas pelo poder seriam entre os grupos políticos mais capazes de lidar com a missão econômica e social.
Nessa utopia prestes a se realizar na cabeça dos ludibriados, o Brasil seria formado por um povo gentil e contaria com grandes artistas, cantores, compositores, atores, a dar bênçãos aos nossos administradores. A eleição de Fernando Collor em 1990 foi considerada um equívoco de trajetória, logo corrigido com um impeachment. O Brasil, portanto, seria governado por duas agremiações sociais-democratas, o PT, que tendia mais ao socialismo, e o PSDB, mais próximo do liberalismo.
Mas essa visão rósea da sociedade deixava de fora milhões de pessoas que eram saudosas do regime militar, que não viam com bons olhos a progressiva liberalidade na questão dos costumes, que queriam políticas fortemente repressivas na segurança pública, que mantinham o trinômio “pátria, família e religião”. E, do ponto de vista da cultura, não viam gente como Chico Buarque, Caetano Veloso ou Gilberto Gil como ídolos musicais, muito pelo contrário. Votavam no PSDB, num primeiro momento, pelo êxito do Plano Real; e, num segundo momento, não exatamente pelos valores dos tucanos, mas para evitar que Lula e o Partido dos Trabalhadores tivessem poder.
De alguma maneira, a paranoia anticomunista se manteve viva durante a Nova República e os tucanos e petistas eram igualmente alvos. O filósofo Olavo de Carvalho defendia essa tese em seus artigos, mas era visto apenas como um doidivanas. Publicamente, quase ninguém se dizia de direita – era o equivalente a um pecado.
Nem mesmo o presidente do PFL, o senador Jorge Bornhausen, aceitava o rótulo. Direita era estar associado não só à ditadura. Mas também tinha a ver com insensibilidade social, truculência, falta de modos, anacronismo, falta de gosto – cafonice, enfim. Foram nesses momentos que o PT soube subjugar o PSDB, apenas taxando seus integrantes de “direitistas”. Os tucanos se deprimiam com a acusação e nunca reagiram efetivamente.
Foi preciso uma grande crise política, econômica e moral – a combinação de recessão e Lava Jato -, somada com o advento das redes sociais, onde cada cidadão é um palanque – para a verdadeira direita sair do armário, sob a liderança do até então obscuro deputado do baixo-clero, Jair Bolsonaro. Agora, os direitistas tinham a opção de varrer do mapa tanto o petismo quanto o PSDB. Conseguiram com relação aos tucanos (sem contar os motivos internos da sigla).
Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente em 2018. A questão é que tudo indica que seu apreço pela democracia não seja verdadeiro, assim como o de boa parte de seus eleitores. Hoje, com o líder prestes a ir para cadeia, bolsonaristas bradam que vivemos em uma ditadura. Ora, ditadura era o que eles queriam implantar e regime do qual têm nostalgia. Que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, algoz de Bolsonaro, cometeu excessos, hoje pouca gente nega. A questão é que odeiam Moraes não pelos seus erros, como as excessivas penas dos vândalos de 8/1/23, mas pelo acerto de possivelmente condenar os líderes golpistas malfadados, de dezembro de 2022.
Porém, a democracia tem um dilema. Como lidar com milhões e milhões de pessoas radicais, que votaram em Bolsonaro não apenas para evitar o PT, mas por consonância de ideias com o líder. Há quem defenda extirpá-los da sociedade, censurá-los, não publicar suas opiniões nos jornais, e até mesmo prendê-los. Ou seja, há quem proponha soluções autoritárias para acabar com o autoritarismo.
A política, por sua vez, parece caminhar em apresentar suas soluções. A direita cogita lançar candidatos sem o sobrenome Bolsonaro na disputa com Lula em 2026 – para o desespero e indignação do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que ainda sonha com essa possibilidade. A aposta centro-direitista seria evitar um Bolsonaro em disputa pela presidência para colher os votos dos bolsonaristas sem opção e dos moderados. O tempo vai dizer se a estratégia funcionará.
A tarefa passa também por convencer milhões de que o bolsonarismo – que tantos colocaram suas esperanças e convicções – na verdade, é um movimento político arriscado, regressivo e golpista. Convencer que, se o objetivo for encontrar um remédio para derrotar o petismo, o bolsonarismo tornou-se um veneno a contaminar toda a sociedade. E, por último e mais importante, de ponto de vista do consentimento: hoje, o bolsonarismo, por provocar ojeriza nos centristas, tem ajudado Lula e o PT a se reeleger.