Fabiano Lana: “Desistência de Tarcísio é jogo de cena e disputa se dá por um governo estruturalmente enfraquecido”

O artigo de Fabiano Lana analisa como o governo federal, apesar de manter ainda grande estrutura e poder simbólico, tem se tornado cada vez mais limitado em sua capacidade de ação concreta, perdendo espaço para o STF e para o Congresso.

Fabiano Lana: “Desistência de Tarcísio é jogo de cena e disputa se dá por um governo estruturalmente enfraquecido”
Reprodução
Fabiano Lana

Presidente da República perde poder para STF e Congresso

Percebam um fenômeno que ocorre nos últimos meses no Brasil. Os assuntos, as notícias, os alvos, os memes e mesmo os discursos de ódio estão cada vez mais longe do Palácio do Planalto.

Manifestamo-nos sobre os limites do Supremo Tribunal Federal, sobre a condenação de Jair Bolsonaro, ou sobre as peripécias dos integrantes do Congresso. Nessa história toda, o presidente Lula se torna quase um coadjuvante de luxo nas discussões nacionais, fora se o assunto é sucessão.

Neste contexto, não sabemos se o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fala a verdade quando diz só querer a reeleição, mas, num certo sentido, é mais lógico desejar se manter no comando da máquina paulista.

De fato, ao longo do tempo, o Palácio do Planalto tem perdido seus instrumentos de governança. Podemos começar, por exemplo, com o Banco Central. A independência operacional da autarquia, em tese, não permite que o governo intervenha na política de juros.

Ações federais que envolvem gastos expressivos podem ser sempre travadas com a decisão do BC de tirar os recursos da praça quando houver ameaças da inflação – para desespero dos populistas econômicos.

Do ponto de vista da distribuição dos recursos advindos dos impostos, o governo federal, a cada ano, tem menos cartas na manga. Há um aumento constante de despesas obrigatórias, como as da Previdência, um orçamento engessado, e as verbas discricionárias, de uso mais livre, ficam proporcionalmente menores.

Com o chamado orçamento secreto, concebido e implantado no governo Bolsonaro, a força se transferiu em boa parte para o Congresso. Com poder de indicar obras como unidades de saúde, praças, asfaltamento e muito mais, hoje uma deputada ou deputado, na sua base, tem prestígio superior ao de um ministro. Em adicional, com o parlamento ideologicamente hostil, o governo não tem força para impor sua agenda.

Com relação à palavra final sobre nossas desavenças, a bola definitivamente está no Supremo. Durante o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, analistas internacionais se espantaram – para o bem e para o mal – com o poder de nossa corte.

Com uma Constituição tão complexa, com juízes originários da política, e outras questões, transformaram o Supremo num órgão capaz de decidir sobre uma vasta gama de ações da sociedade.

Hoje, o STF pode até mesmo censurar uma publicação de uma pseudocelebridade no “X”. A conferir se a autocontenção sugerida por Edson Fachin virá, mas o poder de um presidente da República, no caso do Judiciário, é apenas indireto: o de indicar os nomes da mais alta corte. Daí a obsessão de Jair Bolsonaro em controlar o Senado – casa com poder de vetar as indicações ou impichar os ministros do STF.

Apesar dos elogios surpreendentes e divertidos do presidente americano Donald Trump a Lula, mesmo na área internacional, o Brasil não tem muito o que fazer na solução dos problemas geopolíticos. Sem força até mesmo no continente, com pouco potencial bélico, é, infelizmente, uma nação café com leite no tabuleiro mundial. É bacana alguém que lida com conflitos tirar fotos com um presidente brasileiro. O nosso chefe de governo dificilmente terá uma força realmente ativa na discussão.

Claro que há milhares de cargos para serem distribuídos, inclusive até indicar os nomes da cúpula da Polícia Federal (em tese, órgão do Estado, não do governo), mas são ainda uma questão sobrevivente das grandes mudanças em curso. Podemos falar também de privatizações, fusões, que tiraram empresas do Estado.

O que resta na mão do governo é ainda colossal. Mas o que importa mesmo é a força simbólica do cargo. Capaz de fazer mover os corações e mentes e inflamar as paixões como se algo existencial, transcendente, estivesse em jogo. Pode não ser o caso quando o governo não é robusto o suficiente para colocar um plano em vigor.