Juvenal Araújo: “A população negra decide o voto no Brasil?”

O artigo, escrito por Juvenal Araújo, argumenta que, embora a população negra represente mais da metade (56%) do eleitorado brasileiro, esse significativo poder demográfico e estatístico não se traduz em representatividade política proporcional, já que apenas 26% dos deputados federais eleitos em 2022 eram negros.

Juvenal Araújo: “A população negra decide o voto no Brasil?”

O Brasil é um país marcado pela diversidade, mas também pela desigualdade. Entre os temas que mais desafiam nossa democracia, o papel da população negra no processo eleitoral merece atenção especial. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais da metade do eleitorado brasileiro se autodeclara preto ou pardo, representando cerca de 56% dos eleitores. Esse número revela que o chamado “voto negro” tem um peso enorme na definição dos rumos do país. Mas será que essa força se traduz em representatividade política?

Os dados mostram que ainda não. Apesar de serem maioria entre os votantes, pessoas negras continuam minoria entre os eleitos. Nas eleições gerais de 2022, apenas 26% dos deputados federais eleitos se declararam pretos ou pardos, segundo o TSE. Em comparação, a proporção de candidatos negros cresceu em relação a pleitos anteriores, mas o sucesso nas urnas ainda é limitado. Isso indica que não basta haver número: é preciso enfrentar barreiras históricas, econômicas e sociais que dificultam o acesso de pessoas negras ao poder.

Quando olhamos para outros países da América Latina, percebemos dinâmicas semelhantes. No Brasil, negros e pardos são 56% do eleitorado. Na Colômbia, representam 10% a 15% da população, mas ocupam menos de 5% dos assentos no Congresso. No Equador, afrodescendentes somam cerca de 7% da população, mas a sub-representação também é a regra. Esses dados mostram que o desafio não é apenas brasileiro: trata-se de um fenômeno regional, no qual populações negras, mesmo sendo maioria ou grupos expressivos, não conseguem transformar peso demográfico em poder político proporcional. Em outras palavras, o quadro revela um problema estrutural que atravessa fronteiras e expõe a fragilidade da inclusão política.

Uma questão importante é se a população negra vota em candidatos negros. A resposta é complexa. O voto, em qualquer democracia, é influenciado por fatores como identificação partidária, religião, classe social e região. No Brasil, esses elementos se sobrepõem frequentemente à questão racial. Assim, muitos eleitores negros não necessariamente escolhem candidatos negros. Isso ajuda a explicar por que a representatividade não acompanha a força numérica. O “voto negro” existe em termos estatísticos, mas ainda carece de articulação como força política consciente e organizada.

Nos estados brasileiros, esse peso se mostra ainda mais relevante. Em unidades da federação como Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro, a maioria absoluta do eleitorado se identifica como preta ou parda. Nessas regiões, a população negra é capaz de decidir eleições majoritárias. Entretanto, isso não tem se revertido automaticamente em maior número de governadores, senadores ou deputados federais negros. A força está presente, mas sua organização política é fragmentada, e a ausência de estratégias consistentes de mobilização limita seu impacto efetivo.

O que falta, portanto, para termos mais pessoas negras eleitas no Brasil? Em primeiro lugar, financiamento de campanha. Pesquisas apontam que candidatos negros recebem menos recursos dos partidos, mesmo com regras que obrigam a distribuição proporcional do fundo eleitoral. Em segundo lugar, é preciso maior apoio institucional para formação de lideranças políticas negras, algo que ainda é incipiente no país. E, por fim, é fundamental que a sociedade como um todo reconheça o valor da diversidade na política, entendendo que representatividade não é apenas uma pauta identitária, mas um caminho para uma democracia mais completa e funcional.

O eleitorado negro tem, sim, poder para decidir os rumos do Brasil. Mas, para transformar esse potencial em realidade política, é necessário ultrapassar barreiras estruturais e culturais. O desafio não é apenas votar, mas também construir as condições para que candidatos negros tenham igualdade de oportunidades na disputa. Só assim deixaremos de ser um país onde a maioria é invisibilizada nas instâncias de poder.

O futuro da democracia brasileira passa, inevitavelmente, pela valorização do voto negro e pela consolidação de lideranças que representem, de fato, a diversidade de nossa população. O que está em jogo não é apenas representatividade, mas a própria qualidade da democracia. Afinal, um país só pode se considerar democrático de verdade quando todos os grupos que o compõem têm voz, espaço e decisão nos processos políticos.