Centrão retoma debate sobre voto distrital misto e tenta ampliar controle político

Sob o discurso de combater facções, proposta resgata antigo projeto de José Serra e reacende disputa por influência dentro do Congresso.

Centrão retoma debate sobre voto distrital misto e tenta ampliar controle político

O Congresso Nacional voltou a discutir mudanças no sistema eleitoral, desta vez sob um novo pretexto: o combate à infiltração do crime organizado na política. Por trás do discurso moralizador, porém, líderes admitem que a principal motivação é ampliar o poder dos grandes partidos e reduzir o peso dos chamados “puxadores de voto”, como influenciadores e figuras antissistema que ganharam espaço nas últimas eleições.

A proposta de adoção do voto distrital misto foi retomada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que nomeou Domingos Neto (PSD-CE) como relator. O texto tem como base o PL 9.212/2017, de autoria do ex-senador José Serra (PSDB-SP), aprovado pelo Senado há sete anos e esquecido na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Se aprovada, a nova regra só valeria a partir de 2028, nas eleições municipais de cidades com mais de 200 mil habitantes, e passaria a ser aplicada em âmbito nacional em 2030.

No modelo distrital misto, metade das cadeiras é preenchida por candidatos eleitos diretamente em distritos regionais — um por área —, e a outra metade é distribuída entre os partidos conforme o total de votos obtidos nas urnas. O sistema daria mais poder às legendas, já que parte das vagas viria de listas fechadas definidas pelas cúpulas partidárias.

O relator Domingos Neto defende que a medida “aproxima o eleitor de seu representante” e cria condições mais transparentes de fiscalização. Ele também argumenta que o novo modelo tornaria mais difícil a entrada de facções criminosas na política, ao concentrar o debate em distritos menores, com maior visibilidade pública.

Especialistas discordam. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e a Transparência Brasil alertam que o argumento é falacioso: “O crime organizado já atua em áreas onde o Estado é ausente. Redesenhar distritos não impede o controle político nesses territórios”, afirmou Juliana Sakai, diretora da ONG. Para o Diap, o risco é justamente o contrário — o modelo poderia criar redutos eleitorais dominados por grupos locais, perpetuando oligarquias e dificultando a renovação política.

Além disso, críticos apontam que a mudança enfraqueceria candidaturas de minorias e movimentos sociais, que dependem de votos pulverizados, e consolidaria o poder de partidos médios e grandes — em especial os do Centrão, que articulam a proposta.

Nos bastidores, parlamentares reconhecem que o sistema distrital misto é visto como uma forma de reequilibrar o tabuleiro eleitoral, reduzindo a força de nomes com votação expressiva e discurso independente, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Guilherme Boulos (PSOL-SP), que ajudaram a eleger colegas com votações menores.

O projeto também traz implicações políticas profundas. Ao vincular o voto no candidato ao voto no partido, a proposta reforça o poder das direções partidárias sobre a formação de chapas e a escolha de nomes, algo que beneficia diretamente as legendas que hoje comandam o Congresso.

Para analistas, o movimento reflete uma tentativa do bloco que sustenta a maioria das votações na Câmara o chamado Centrão de garantir protagonismo estrutural num cenário em que o sistema proporcional tem favorecido outsiders e lideranças regionais fora do controle das grandes máquinas partidárias.

Enquanto o debate se intensifica, o histórico joga contra os articuladores. O Congresso já rejeitou, em diferentes momentos, propostas semelhantes de reforma eleitoral, como o “distritão” e o próprio modelo misto. Mas a crise de representatividade e o avanço do crime na política voltam a servir como justificativa conveniente para uma mudança que, na prática, pode concentrar ainda mais o poder nas mãos de quem já o detém.