
Tanto no mundo financeiro como no mundo digital, há uma polêmica que se repete: a de que as empresas ganham dinheiro em cima daquilo que não lhes pertence
Há um tema antigo que ajuda a explicar, por analogia, algumas das encrencas da economia digital: o sistema de reservas fracionárias.
O assunto vem dos primórdios da história do dinheiro, e se refere a um fenômeno que sempre foi polêmico: os bancos mantêm em caixa apenas uma fração do que acolhem como depósitos. Desse jeito, parecem usar o que não lhes pertence em benefício deles, pois emprestam recursos que não são seus para gerar lucros que não repartem com os depositantes.
É assim que funciona, desde sempre, e muito se aprendeu sobre as engrenagens do arranjo, especialmente quando há prejuízos. É interessante evocar esses conceitos para melhor entender o que se passa no mundo digital, onde algumas empresas “captam” volumes gigantescos de dados, criam com eles muita riqueza, nem sempre remunerando adequadamente os donos dos dados com os quais a mágica se operou.
Parecido com o sistema de reservas fracionárias, ou não? Claro que há muitas outras complexidades na economia digital. “Dados” são mercadoria parecida com os chamados “bens públicos”, conforme a definição técnica dos economistas: aqueles com as propriedades de “não rivalidade” e “não exclusão”. Isso quer dizer que, diferente de dinheiro, o “uso” da mercadoria não reduz a quantidade disponível, nem inibe o uso por outros. Pense, por exemplo, numa música. Seu consumo não reduz a oferta, nem impede que outros ouçam. Não é assim quando se trata de dinheiro.
Mas em um aspecto as duas coisas são parecidas: o dono quer usar do melhor jeito. O investidor financeiro quer o melhor retorno para o seu dinheiro. O mesmo vale para o dono de uma canção, de um vídeo, ou de informação comercial relevante.
Muitos acham que na economia digital existe uma espécie de “mais valia” no fato de as chamadas big techs usarem muitos dados pelos quais nada pagam e produzirem imensa riqueza que não revertem para os donos dos dados. Outros acham que elas já pagam, especialmente em vista das gratuidades.
Muitos acham que o spread bancário é muito grande, e que os bancos cobram pelos seus empréstimos uma taxa desproporcional à que usam para remunerar seus depositantes. Mas a inadimplência precisa estar na conta. São bons debates.
No mundo financeiro, a discussão é antiga e já tem algumas soluções. No mundo digital está apenas começando. Na academia há um Prêmio Nobel que propõe o agrupamento dos donos de dados para negociarem melhor os royalties a que fazem jus. Outro Nobel defende a tributação da publicidade dirigida.
Os paradigmas estão ainda em formação e a IA vai precisar de muitos “dados”.