Deputados querem aprovar Prisão Perpétua no Brasil

PEC da Segurança vira palco de emendas que miram pena máxima e fim da progressão de regime, ignorando veto do Ministério da Justiça e precedentes do STF.

Deputados querem aprovar Prisão Perpétua no Brasil
Bruno Spada / Câmara dos Deputados

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, inicialmente concebida pelo governo Lula para fortalecer a atuação federal na coordenação do combate ao crime, está prestes a ganhar contornos drasticamente mais rígidos na Câmara dos Deputados. O texto original de oito páginas, focado em reorganizar as competências da União e constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), está sendo moldado para se transformar em um potente instrumento de alteração penal.

O relator da proposta, deputado Mendonça Filho (União-PE), sinalizou que o parecer, previsto para 4 de dezembro, será “mais robusto e ousado”. No epicentro das mudanças estão medidas que elevam o grau de severidade do sistema prisional brasileiro, confrontando entendimentos já estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O ponto de maior fricção é a articulação para impedir totalmente a progressão de regime para os chamados “supercrimes”. Esta categoria incluiria delitos contra a vida, estupro seguido de morte e, principalmente, o pertencimento a facções criminosas.

A ideia, defendida por Mendonça Filho, é inserir o dispositivo diretamente na PEC para blindá-lo contra a inconstitucionalidade. O relator explica a estratégia com clareza: a progressão para esses crimes seria 100% zerada. A cautela não é por acaso; em 2006, o STF, por placar apertado (6 a 5), derrubou uma lei ordinária que impedia a progressão para crimes hediondos, um risco que, segundo o parlamentar, também paira sobre o projeto Antifacção, que tramita em paralelo.

O Antifacção, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), já propõe uma regra semelhante, exigindo o cumprimento de 85% da pena para membros de organizações criminosas terem benefícios penais. A PEC, portanto, se propõe a ir além, buscando uma vedação absoluta por via constitucional.

Outra medida de forte apelo e alto impacto político que ganha força na comissão especial é a instituição da prisão perpétua para crimes classificados como “supergraves” ou “acima de hediondos”. O pleito é encampado pelo presidente da comissão, deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA), em parceria com o relator.

Mendes detalhou a proposta: “Isso seria aplicado para crimes super-hediondos, como em casos de feminicídio quando se mata a mãe na frente do filho, crime de facção com chacinas e homicídios triplamente relacionados”.

Para mitigar o risco de questionamentos constitucionais, visto que a Constituição Federal proíbe penas de caráter perpétuo, a estratégia é audaciosa: condicionar a medida a um referendo popular nas eleições de 2026, caso a PEC seja aprovada no Congresso. O povo seria o árbitro final sobre a validade da punição máxima no país.

Enquanto as articulações no Legislativo avançam, o Ministério da Justiça manifesta-se contrário aos acréscimos penais. Contudo, o trâmite de uma PEC confere ao Congresso uma autonomia significativa. Se aprovada na Câmara e no Senado, a emenda constitucional entra em vigor sem depender da sanção ou do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Há ainda a sinalização de Mendonça Filho de incluir no texto a possibilidade de execução da pena após a confirmação da condenação em segunda instância. Atualmente, o cumprimento só ocorre após o trânsito em julgado. Essa medida, contudo, também é vista como de alto risco no STF, dada a natureza da presunção de inocência como cláusula pétrea da Constituição.

A percepção nos corredores do Congresso é que os temas mais controversos do projeto de lei Antifacção estão sendo migrados para a PEC da Segurança Pública, aproveitando o instrumento constitucional para dar maior perenidade e resistência jurídica às mudanças.

A PEC, em sua gênese, possui objetivos centrados na melhoria da gestão e coordenação da segurança. A essência do texto do Executivo foca em:

Constitucionalização do SUSP: Inclusão do Sistema Único de Segurança Pública na Constituição, a exemplo do SUS, para garantir mais força à integração das forças policiais e padronização de procedimentos.

Criação da Polícia Viária Federal: Substituição do termo “polícias rodoviárias e ferroviárias federais” para permitir que a União crie a primeira força policial ostensiva sob sua jurisdição, atuando em rodovias, ferrovias e hidrovias.

Ampliação da PF: Aumento do escopo de atuação da Polícia Federal para investigar expressamente crimes ambientais e “milícias privadas”.

Atribuições das Guardas Municipais: Fixação de suas atribuições na Constituição, alinhada ao recente entendimento do STF que permite o policiamento ostensivo por seus agentes.

Autonomia para Corregedorias: Criação de corregedorias autônomas para apurar a responsabilidade funcional de profissionais de segurança pública.

Fundo de Segurança Constitucional: Inclusão dos Fundos Nacional de Segurança Pública e Penitenciário Nacional na Constituição, visando garantir e blindar recursos contra contingenciamento.

Enquanto o texto original busca aprimorar a capacidade de coordenação e governança federal, as emendas parlamentares buscam redefinir, com mão pesada, o panorama do direito penal brasileiro. A tramitação da PEC é agora o centro da polarização política e jurídica, colocando o Congresso em rota de colisão direta com o STF e a visão inicial do Palácio do Planalto.