
Por Fabiano Lana
As excepcionais circunstâncias históricas brasileiras fizeram os destinos de duas figuras públicas tão indomáveis como o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e o ex-presidente Jair Bolsonaro se cruzarem. Personagens que não recuam, que sempre dobram a aposta, que não têm o dom da sutileza. Impulsivos, a agir com o fígado. Um deles colocar outro na cadeia é um desfecho inevitável dessa vendeta, o que não deixa de ser dramático.
Hoje, Bolsonaro e Moraes são as duas mais relevantes figuras da esfera pública brasileira. Resta ao presidente Lula um não tão honroso terceiro lugar. Mas o encontro de um político impulsivo, que sempre via as instituições apenas como um entrave aos seus objetivos, com um juiz ao qual foram concedidos poderes quase ilimitados para cerceá-lo, dificilmente não teria uma finalização teatral.
Os juristas estão a discutir se as armas que Moraes usa para frear Bolsonaro estão realmente dentro da lei. Mas é fato que o magistrado foi no limite de nossa legislação para encurralar o político. Censurou pessoas, usou linguagem coloquial quase apelativa para fundamentar (?) suas decisões, agiu como uma espécie de gladiador jurídico. Tinha de dar em sangue.
Bolsonaro, por sua vez, é preciso nunca esquecer, sempre foi um defensor do regime autoritário brasileiro. Já disse que a ditadura matou menos gente do que devia. Defendeu o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Cuspiu na estátua do ex-deputado Rubens Paiva, no Congresso, entre tantos outros casos. Ter tentado um golpe de Estado seria uma consequência lógica de sua trajetória truculenta. Para segurar Bolsonaro militar/político, foi preciso uma espécie de Bolsonaro jurídico. Imbuído de uma missão, talvez com sede de vingança, Alexandre cumpre com afinco a tarefa.
O Bolsonaro original, quando no poder, chegou a chamar Moraes de canalha, em 2021, em uma escalada de antagonismos. No ano seguinte, perdeu as eleições que considerou fraudadas. Cogitou reverter o resultado, viu impassível a sua base tentar destruir as sedes dos Três Poderes, e agora responde por tentativa de golpe de Estado, numa ação conduzida pelo seu grande inimigo. Investiga-se até se o ex-presidente participou de um plano para matar o juiz. Determinar a prisão mesmo que seja por um motivo lateral, como descumprir medidas cautelares é apenas um destino natural dessa vendeta. Se fosse um filme, haveria uma escaramuça pessoal, talvez uma troca de socos, para dar mais sentido ao roteiro.
O problema é que não se trata apenas de uma disputa entre duas pessoas físicas. Ambos trazem atrás de si milhões de apaixonados que torcem para um lado ou outro. Virou algo afetivo, longe da racionalidade. Mas é a sina da nação que está em jogo. Nunca, um simpatizante de Bolsonaro irá considerar um julgamento conduzido por Moraes justo, e eles formam multidões a ir para as ruas para protestar. A tarefa da sociedade é curar um dia as cicatrizes dessa história, para que as feridas não se tornem eternas e deixem acesa a sede de vingança.
“Um deles colocar outro na cadeia é um desfecho inevitável dessa vendeta.” — Fabiano Lana
Brasil no Centro – informação clara, posição firme.