Bolsonaro e a ironia dos direitos humanos

Às vésperas de possível prisão, ex-presidente apela por tratamento humanitário a mesma pauta que desprezou ao longo da carreira política

Bolsonaro e a ironia dos direitos humanos

Com o julgamento do recurso no caso do complô golpista marcado para esta sexta-feira, Jair Bolsonaro (PL) se vê cada vez mais próximo de um destino que tentou evitar durante toda a vida pública: a prisão. O avanço do processo no Supremo Tribunal Federal (STF) pode deixá-lo a um passo do regime fechado antes mesmo do Natal cenário que vem tirando o sono do ex-presidente e de sua equipe jurídica.

Nos bastidores, o pavor tem nome: Penitenciária da Papuda. O ex-mandatário teme ser levado para o presídio em Brasília, onde estão detidos parte dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Embora exista uma sala reservada para ele na Polícia Federal, nenhuma das instituições — nem a PF, nem o governo do Distrito Federal — parece disposta a “hospedar” o capitão.

Bolsonaro, que durante o mandato costumava chamar a pauta dos direitos humanos de “esterco da vagabundagem”, agora recorre exatamente a ela para tentar evitar a prisão em cela comum. Sua defesa prepara um pedido de prisão domiciliar, sob alegação de “razões humanitárias”, e acumula atestados médicos para justificar a medida. O discurso mudou, mas a ironia persiste: quem desprezava o sofrimento dos presos agora apela ao mesmo argumento para preservar a própria liberdade.

A decisão final caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. De acordo com relatos de bastidores, uma inspeção recente no presídio revelou que o magistrado não pretende impor a Bolsonaro o mesmo tratamento que ele pregava a outros detentos — frases como “não tem vaga? bota um em cima do outro” e “tá ruim? é só não fazer besteira” se tornaram símbolo do desprezo do ex-presidente pela pauta humanitária.

O destino político e pessoal de Bolsonaro, portanto, pode se tornar o retrato de sua própria contradição. O homem que ridicularizou os direitos humanos agora os invoca não em nome de princípios, mas da sobrevivência.

Entre a retórica e a realidade, Bolsonaro descobre o que é ser, pela primeira vez, o alvo de um sistema que sempre tratou com desdém.