Brasil afunda na violência enquanto o governo perde controle dos gastos em segurança

Com despesas estagnadas, falta de padrão nacional e avanço tímido no policiamento, especialistas alertam: o país enfrenta o crime com um sistema desorganizado e cada ente gastando “no escuro”.

Brasil afunda na violência enquanto o governo perde controle dos gastos em segurança

O Brasil convive com um paradoxo inquietante: a escalada da violência nas cidades avança, mas os investimentos em segurança pública continuam dispersos, despadronizados e incapazes de responder à complexidade do problema. Embora o país gaste bilhões, especialistas apontam que o dinheiro não se traduz em estratégia porque o sistema é fragmentado e não existe um modelo nacional capaz de organizar prioridades, padronizar dados e direcionar recursos de forma eficiente.

A discussão ganhou força após o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, defender que parte dos gastos em segurança fique fora das metas fiscais um movimento que poderia abrir espaço para reforçar o orçamento. Hoje, porém, a verba federal destinada ao setor é um mosaico difícil de decifrar: inclui desde policiamento até ações da Defesa Civil, que tiveram forte expansão devido às tragédias climáticas no Rio Grande do Sul.

Os números mostram o desequilíbrio. Entre 2021 e 2024, os gastos federais passaram de R$ 15,4 bilhões para R$ 21 bilhões. Mas o salto se explica, sobretudo, pelos recursos emergenciais da Defesa Civil, que triplicaram no período. Já o investimento em policiamento praticamente não saiu do lugar, variando de R$ 4,3 bilhões para apenas R$ 4,6 bilhões.

Nos estados — responsáveis pela linha de frente do combate ao crime a variação também foi tímida: de R$ 115,7 bilhões em 2023 para R$ 118,5 bilhões em 2024. A curva sobe pouco, mas a violência não espera.

Mesmo com metodologias diferentes, a conclusão é sempre a mesma: o Brasil gasta menos com policiamento do que outros países emergentes. Dados do Tesouro Nacional indicam que investimos cerca de 1% do PIB nesse setor, abaixo da média internacional de 1,2%. Em contrapartida, gastamos muito mais com o Judiciário 1,3% do PIB, frente a 0,5% em países emergentes e 0,3% em nações desenvolvidas.

Para a professora Ursula Peres, especialista em Gestão de Políticas Públicas da USP, o cerne do problema é simples e crônico: falta organização. Enquanto a saúde conta com o SUS, que coordena programas, métricas e padrões de gasto para todo o país, a segurança pública permanece pulverizada. Cada estado define suas categorias, prioridades e classificações criminais criando um labirinto que impede diagnósticos precisos e políticas nacionais consistentes.

A professora alerta que a ausência de um sistema unificado deixa o Brasil refém de improvisos. Municípios aumentam gastos sem diretrizes claras; estados não falam a mesma língua; e o governo federal não consegue consolidar uma estratégia nacional. O resultado é uma máquina cara, desigual e pouco transparente.

Num cenário em que o crime se articula nacionalmente, mas o Estado atua de forma fragmentada, o país perde capacidade de resposta e a população paga o preço nas ruas.