
O debate sobre segurança pública voltou com força ao Congresso. Após a megaoperação policial no Rio de Janeiro que deixou 121 mortos, a Câmara dos Deputados se mobiliza para votar um projeto que equipara a atuação de facções criminosas e milícias ao terrorismo.
A proposta, apresentada pelo deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), estava parada desde maio, mas ganhou novo fôlego nos bastidores em meio à comoção provocada pela crise no Rio. O texto já tem regime de urgência, o que permite sua votação direta em plenário, e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sinalizou que quer colocá-lo em pauta na segunda semana de novembro.
O relator será o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, que deve retornar ao mandato para conduzir o parecer final.
O que muda na prática
A Lei Antiterrorismo, criada em 2016, estabelece que um ato só pode ser classificado como terrorista quando há motivação xenofóbica, racista, religiosa ou ideológica.
O novo projeto amplia esse conceito e inclui como motivação “impor domínio ou controle de área territorial” uma clara referência às facções e milícias que dominam comunidades e impõem regras próprias.
O texto também tipifica como ato terrorista qualquer ação de sabotagem, interrupção ou apropriação de serviços públicos essenciais, como transporte, energia ou telecomunicações — práticas comuns em territórios dominados por organizações criminosas.
“Quem assume funções do Estado, cobra por serviços e impõe regras sociais está cometendo um ato de terror”, defende o deputado Júlio Lopes (PP-RJ), um dos apoiadores do projeto.
Na prática, a mudança permitiria transferir as investigações para a esfera federal, sob comando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, além de elevar as penas para até 30 anos de prisão.
Governo teme uso político da lei
O projeto, porém, reacendeu um velho embate em Brasília: até onde vai a definição de terrorismo.
O governo Lula e a base aliada veem o texto com reservas e afirmam que o conceito de terrorismo não pode ser distorcido para incluir crimes comuns ou usados como instrumento político.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), classificou a proposta como “um retrocesso perigoso”:
“O terrorismo tem motivações políticas ou ideológicas. O narcotráfico não. Endurecer penas é uma coisa, misturar conceitos é outra”, criticou o petista.
Nos bastidores, o Itamaraty e o Ministério da Justiça já alertaram que o enquadramento de facções como terroristas poderia gerar efeitos diplomáticos — como abrir brechas para intervenções externas com base em tratados internacionais.
“Declarar um grupo como terrorista é, na prática, reconhecê-lo como ameaça à segurança nacional. Isso pode justificar ações estrangeiras no território, como ocorre em países do Oriente Médio”, explicou um diplomata ouvido pela reportagem.
Um tema que divide o Congresso
A discussão sobre endurecer a Lei Antiterrorismo não é nova. Durante o governo Jair Bolsonaro, o tema gerou impasse e não avançou após críticas da oposição, que via na proposta uma tentativa de criminalizar movimentos sociais como o MST e sindicatos.
Desta vez, o autor do texto tenta se distanciar dessa polêmica. Danilo Forte afirma que o foco é o crime organizado, não manifestações populares.
“O projeto deixa claro que manifestações legítimas, sindicais ou políticas, não se enquadram. O alvo são as milícias e as facções que impõem medo e controle social sobre comunidades”, disse o parlamentar.
Apoio do Centrão e resistência do Planalto
Nos bastidores, o projeto conta com apoio de bancadas do PP, União Brasil, MDB e PSD, que avaliam a redação como “mais equilibrada” do que a de 2019, quando a proposta foi apelidada de “KGB do Bolsonaro” por concentrar poderes excessivos no Executivo.
O relator, Guilherme Derrite, é defensor de punições mais duras e diz que o objetivo é “encarecer o custo do crime”.
“Vamos aumentar a pena e garantir que quem anda com fuzil, domina territórios e enfrenta o Estado pague caro por isso”, afirmou o deputado.
Enquanto isso, o governo Lula tenta evitar que o debate ganhe tom ideológico, em meio à disputa narrativa sobre o combate ao crime após a operação no Rio.
A proposta deverá entrar na pauta da Câmara nas próximas semanas e promete colocar em lados opostos parlamentares que defendem o endurecimento penal e os que temem um retrocesso nas garantias democráticas.