Daniel Messias: “O apagão das canetas: quando o medo do gestor público paralisa a vida do cidadão”

O artigo de Daniel Messias, “O apagão das canetas: quando o medo do gestor público paralisa a vida do cidadão”, discute como o receio de punições e interpretações rigorosas dos órgãos de controle tem levado gestores públicos à inércia, comprometendo a entrega de serviços essenciais.

Daniel Messias: “O apagão das canetas: quando o medo do gestor público paralisa a vida do cidadão”
Daniel Messias

Uma reflexão sobre como a paralisia decisória, fruto do receio dos órgãos de controle, prejudica a entrega de serviços essenciais

Nesta semana, após participar de mais uma reunião do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, tivemos uma aula sobre a Lei 13.303, a Lei das Estatais, e falamos muito sobre a Lei de Licitações. Esses encontros são sempre uma rica fonte de reflexão sobre os desafios da gestão pública no Brasil, e um tema, em particular, ressoou com força: o medo que paralisa o gestor público e o impacto devastador que isso causa na vida do cidadão. É um assunto que transcende as salas de reunião e afeta diretamente a qualidade da escola onde os filhos estudam, o tempo de espera no posto de saúde e a qualidade da estrada pela qual viajamos. Vivenciamos ainda o que muitos chamam de “apagão das canetas”, um fenômeno em que a inércia se torna a opção mais segura para quem ocupa uma cadeira na administração pública. O receio de ter o CPF envolvido em um processo futuro, de enfrentar uma auditoria rigorosa de um órgão de controle ou de ter o nome manchado por uma decisão que, embora bem-intencionada, possa ser questionada anos depois, cria uma atmosfera de aversão ao risco. O gestor, acuado, prefere não assinar, não decidir, não inovar. E quem paga a conta dessa paralisia é sempre a sociedade.

O impacto é direto e, muitas vezes, cruel. Uma licitação para a compra de medicamentos essenciais que se arrasta por meses por conta de um parecer jurídico excessivamente cauteloso, uma obra de saneamento básico que não sai do papel porque a equipe técnica teme a complexidade do edital, ou um programa social inovador que é engavetado por não se encaixar perfeitamente nos moldes tradicionais. Cada “não” dado por medo, cada adiamento para uma análise “mais aprofundada” que nunca termina, é um serviço que deixa de ser prestado, uma vida que deixa de ser melhorada. A administração pública, que deveria ser o motor do desenvolvimento e do bem-estar social, torna-se um labirinto burocrático onde a principal preocupação não é mais resolver o problema do cidadão, mas sim evitar problemas para o gestor. É preciso discutir esse tema com mais coragem e honestidade. Não se trata de defender a má gestão ou a corrupção, mas de entender que a busca incessante pelo risco zero leva, invariavelmente, ao resultado zero.

Então, como o gestor público pode fazer para não sucumbir ao “apagão das canetas”? O caminho passa por uma gestão mais técnica, transparente e colegiada. As decisões não devem ser solitárias, mas sim amparadas por pareceres técnicos robustos e, sempre que possível, discutidas em comitês ou conselhos. A documentação clara e a motivação explícita de cada ato administrativo são fundamentais para criar um histórico que demonstre a boa-fé e a busca pelo interesse público. Ao mesmo tempo, é crucial que os órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público, também evoluam em sua atuação. É claro que seu papel fiscalizador é indispensável para a democracia, mas é fundamental que ele seja exercido com sensibilidade e razoabilidade, diferenciando o erro formal da má-fé, a falha administrativa do ato de corrupção. O controle que apenas pune e não orienta acaba por incentivar a inércia, gerando um custo social altíssimo. Um controle mais moderno e eficaz deveria focar nos resultados e ajudar a construir soluções, em vez de apenas apontar culpados.

Nesse cenário, a inovação surge como uma ferramenta essencial para driblar as amarras da burocracia. Quantos projetos importantes vemos paralisados, aguardando decisões que se perdem em pilhas de papel e sistemas arcaicos? Inovar na gestão pública significa usar a tecnologia para dar transparência e agilidade aos processos, buscar modelos de contratação mais eficientes e, principalmente, mudar a mentalidade. Precisamos condenar veementemente o gestor público que se escora na lógica do “sempre foi assim”. Essa frase é a sentença de morte para a eficiência e a criatividade. O “sempre foi assim” paralisa a administração porque cria uma cultura de conformismo, onde ninguém questiona se a forma antiga ainda é a melhor forma de servir ao público. Essa paralisia tem um reflexo direto na avaliação da gestão. Um governo que não produz, que não entrega, que não resolve, que não se comunica de forma clara, perde a confiança das pessoas. A comunicação, aqui, é a ponte entre a ação administrativa e a percepção do cidadão. Governos paralisados e ineficientes, que não conseguem mostrar resultados concretos, não constroem uma narrativa de progresso e, consequentemente, não conquistam a população, abrindo espaço para o populismo e a desinformação.

E retomando a discussão inicial sobre a Lei das Estatais e de Licitações, é evidente que elas representam um esforço e um avanço significativo para modernizar e trazer mais governança para a administração. No entanto, a lei, por si só, não muda a cultura do medo. Precisamos avançar nessa discussão e encontrar mecanismos que protejam o gestor bem-intencionado e inovador. Talvez seja o momento de discutir seguros de responsabilidade civil para administradores públicos ou a criação de instâncias de mediação e consultoria prévia junto aos órgãos de controle. Precisamos criar um ambiente onde a tomada de decisão responsável seja a regra, e não a exceção. É fundamental que possamos debater melhorias e avanços no arcabouço legal e institucional para que o gestor público seja incentivado a fazer, a executar e a transformar, sem que a espada do controle se torne uma ameaça paralisante. Afinal, o objetivo de todos que atuam no serviço público deve ser o mesmo: oferecer ao cidadão os melhores serviços e as melhores oportunidades, e isso só é possível com ação e coragem para tomar decisões.