Elena Landau: “Fui catar notícias positivas em busca da Poliana que existia dentro de mim; desisti”

O artigo faz um balanço crítico da conjuntura política e social do país, destacando uma sequência de retrocessos recentes — desde o descaso com a segurança pública e a manutenção de subsídios ao carvão, até a decisão da Câmara de dificultar o aborto legal em crianças vítimas de estupro. O autor busca sinais de otimismo em meio ao cenário, como a queda no desmatamento da Amazônia e o avanço do saneamento, mas conclui que até as boas notícias vêm acompanhadas de frustrações, como a redução da licença-paternidade proposta no Congresso. Em tom irônico e desalentado, o texto retrata um Brasil paralisado por disputas políticas, onde avanços reais continuam sendo exceção.

Elena Landau: “Fui catar notícias positivas em busca da Poliana que existia dentro de mim; desisti”

Segurança pública em segundo plano diante de bate-boca eleitoral, aborto legal em crianças vítimas de estupro dificultado pela Câmara, incentivos ao carvão mantidos: não faltam derrotas

Um leitor me cobrou: gosto de suas colunas, mas não dá para ser mais otimista? Ele tem razão, nem eu me aguento mais. Eu juro que tento seguir o ensinamento de Guimarães Rosa: “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”. Leio jornais buscando algum descuido da conjuntura, mas tá difícil.

Fui catar notícias. Continua em destaque a operação policial no Rio. Descartei. Notícia nada boa e sem luz no fim do túnel. O bate-boca entre governadores e União não vai levar a nada. O olho está na campanha eleitoral e só. Como se chegou até aqui, se normalizou o porte de fuzis, se desprezou o papel do Estado e de políticas públicas que impedissem o domínio do crime, ninguém responde, porque são todos cúmplices. A população das áreas vulneráveis continua no fim da lista de prioridades. Nas fotos das reuniões em busca de soluções, a ausência de um personagem é simbólica: Preto Zezé, presidente da CUFA, não aparece. Puro teatro.

Continuei na minha missão e achei algo auspicioso que foi a queda no desmatamento da Amazônia. Algo de bom para se mostrar na COP-30. A notícia traz algum otimismo na mesma semana em que vendavais arrasaram cidades no Paraná. Outra coisa boa é o aumento da cobertura de saneamento com o avanço da privatização por lugares nunca dantes navegados. Junto com ampliação da rede de esgoto, vem o combate ao desperdício de água. Meus netos agradecem.

Garimpando o noticiário, vi que foi votada uma medida provisória para reorganizar o setor elétrico. Me animei. Mas ainda não foi desta vez. Nossos parlamentares já vinham empurrando para as contas de luz subsídios injustos e injustificados há tempos. E com a MP 1304 não foi diferente. Foram mantidos incentivos para carvão (!), os privilégios da geração distribuída, e, por pouco, muito pouco, o tal Brasduto não volta. Na conta de luz ainda será possível achar a impressão digital de cada lobista.
De repente, um luzinha de esperança. Foi aprovado um projeto de lei que amplia a licença-paternidade; muito bom para reduzir a discriminação contra mulheres no mercado de trabalho. Coisa de país desenvolvido. De novo, me precipitei. O período inicialmente proposto de 60 dias caiu para 20 dias, a ser implementado gradualmente. Oficialmente, a mudança veio para reduzir impacto fiscal. Há quem diga que o ajuste veio para lidar com “resistências culturais”. Faz mais sentido. Pensar nas contas públicas seria inédito e uma grande notícia.

Para coroar a semana, a Câmara decidiu dificultar aborto legal em crianças vítimas de estupro.