
A atuação da Advocacia-Geral da União no caso dos descontos associativos suspeitos no INSS ganhou novos contornos após a revelação de que um alerta interno, produzido pela própria instituição, foi ignorado pelo ministro Jorge Messias. O documento, elaborado em 2024 por uma equipe de 63 procuradores da região Sul, identificava nove entidades com aumento expressivo de reclamações judiciais entre elas, o Sindnapi, sindicato que tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula.
Segundo o relatório, essas informações serviriam para embasar pedidos de providências ao INSS, incluindo a abertura de processos administrativos e o possível cancelamento de convênios. As conclusões chegaram à cúpula da AGU, em Brasília, no segundo semestre de 2024, após uma correição que apontou graves distorções relacionadas a descontos não autorizados em benefícios previdenciários.
Apesar disso, quando Messias acionou a Justiça, em maio de 2025, para pedir o bloqueio de R$ 2,5 bilhões em bens de entidades suspeitas, seis das nove organizações listadas pela equipe técnica foram deixadas de fora. Ficaram ausentes justamente alguns dos maiores arrecadadores, como o próprio Sindnapi, a Conafer e a Contag — esta última historicamente alinhada a pautas do PT e do PCdoB.
A justificativa apresentada pela AGU é que o relatório regional não tinha caráter investigativo, mas avaliativo, e não reunia “elementos suficientes” para embasar medidas judiciais. Messias argumentou ainda que agiu com base em informações do INSS, da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal, priorizando entidades acusadas de serem “de fachada” ou envolvidas no pagamento de propina.
Entretanto, os documentos mostram que, já em abril de 2024, procuradores alertavam para a necessidade de suspender convênios com associações que acumulavam queixas de descontos irregulares. O tema foi detalhado em reuniões com o Judiciário e com a direção do INSS, nas quais foram apresentados mapas de processos e pedidos formais de apuração de irregularidades. O volume de ações era tão alto que se tornou um dos principais problemas detectados pela correição.
O Sindnapi, por exemplo, movimentou R$ 1,2 bilhão em descontos entre 2019 e 2025. Já a Contag arrecadou R$ 3,4 bilhões desde 2016. Ambas foram citadas pelo relatório interno, mas poupadas da primeira leva de medidas cautelares apresentada por Messias.
A situação ganha ainda mais peso porque o ministro da AGU é apontado como favorito para a vaga no Supremo Tribunal Federal aberta com a saída de Luís Roberto Barroso. A forma como conduziu o caso, portanto, tem sido observada com atenção por setores do Congresso e do Judiciário.
Em nota, a AGU afirmou que o levantamento interno não tinha o objetivo de constatar fraudes e que não cabe à instituição exercer funções de polícia judiciária. Ressaltou que o material foi encaminhado ao INSS para providências administrativas e que as ações judiciais apresentadas seguiram critérios técnicos alinhados às investigações da CGU e da PF.
Os novos documentos, porém, mostram que o órgão tinha conhecimento detalhado da expansão das fraudes desde o início de 2024 e que parte das entidades com maior número de reclamações foi deixada fora da primeira resposta judicial apresentada pelo ministro. Resta saber se, diante dessas revelações, novos desdobramentos irão redefinir tanto a estratégia jurídica do governo quanto a transparência sobre o alcance real do esquema.