
O ex-ministro da Casa Civil e histórico dirigente do PT, José Dirceu, prestes a completar 80 anos, voltou ao centro das atenções ao anunciar que pretende disputar novamente uma vaga de deputado federal por São Paulo nas eleições de 2026. Em entrevista à BBC News Brasil, Dirceu afirmou que sua candidatura atende a um pedido direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seria, segundo ele, um gesto de “justiça” e “reparação” após as condenações que recebeu no caso do mensalão e na Operação Lava Jato.
Dirceu, que foi um dos principais articuladores do PT durante as décadas de ascensão do partido ao poder, também revelou estar finalizando o segundo volume de sua trilogia autobiográfica. A obra deve narrar o período entre sua saída do governo, em 2005, e as prisões que enfrentou nos anos seguintes. “Vou publicar o segundo volume das minhas memórias, que começa na minha cassação e vai até 2015. É uma reflexão sobre como o Brasil mudou e como o mundo mudou também”, afirmou.
Defesa de Bolsonaro e críticas ao sistema prisional
Na entrevista, o ex-ministro disse acreditar que o ex-presidente Jair Bolsonaro “não tem condições” de cumprir pena em uma prisão comum. “Dado o estado de saúde dele, e considerando o caso do Fernando Collor, não vejo como ele poderia entrar no sistema penitenciário. Seria, de qualquer maneira, uma prisão especial”, declarou. Dirceu, que foi preso cinco vezes ao longo da vida — incluindo períodos na ditadura militar, no mensalão e na Lava Jato, argumentou que o sistema prisional brasileiro é controlado pelo crime organizado e que não oferece condições mínimas de segurança ou saúde.
“Todo mundo sofre na prisão, chora, reza, chama pela mãe. É um ambiente insalubre. Bolsonaro não tem autocontrole nem estabilidade emocional para suportar isso. Ele sobreviverá em casa, com a família, o que é o mais adequado”, disse.
Relação com Lula e bastidores do PT
Dirceu contou que tem se encontrado raramente com Lula, mas que os dois mantêm “uma relação de quase 40 anos” e se entendem “por telepatia”. Segundo ele, o presidente mantém diálogo constante com aliados e lideranças de outros partidos. “Quando ele sente necessidade, me chama. Mas Lula não está isolado, como dizem. Tem Jaques Wagner, Randolfe Rodrigues, José Guimarães, entre outros”, garantiu.
Reeleito recentemente para a direção nacional do PT, o ex-ministro afirmou que o partido segue como uma força de “centro-esquerda” e que as alianças com setores de centro-direita fazem parte da natureza do governo. “O eleitor fez a aliança. A base parlamentar do governo é composta por partidos de centro e de direita. E isso é resultado da democracia”, afirmou.
Elogios a Valdemar Costa Neto e crítica às emendas
Dirceu surpreendeu ao elogiar o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, líder do partido de Bolsonaro. “Valdemar é o político mais hábil da direita. É um dos quadros mais qualificados do país. Ele construiu um partido com 92 deputados e elegeu o presidente da República. É trabalhador e leal”, disse.
Os dois, segundo Dirceu, conviveram durante o período em que estiveram presos pelo escândalo do mensalão. “Na prisão todo mundo é igual. O Valdemar às vezes ficava bravo comigo porque eu queria arrumar uma lâmpada, resolver a goteira, e ele dizia que eu parecia querer ficar lá. Mas eu queria ler”, recordou.
O ex-ministro também criticou o atual modelo de emendas parlamentares, que movimenta dezenas de bilhões de reais em verbas controladas pelos deputados e senadores. “Esse é o problema mais grave do Brasil hoje. As emendas viraram um poder econômico, usado eleitoralmente e com casos de desvio comprovado. Há mais de 80 inquéritos sobre isso no Supremo. É uma invasão das atribuições do Executivo”, afirmou.
Negativa sobre o mensalão e promessa de revisão criminal
Dirceu voltou a negar qualquer envolvimento no escândalo do mensalão, que completou 20 anos em 2025. Ele insistiu que não houve compra de votos no Congresso e que as condenações foram baseadas em “domínio do fato”, sem provas diretas. “Eu não tive participação nenhuma. Fui cassado e condenado politicamente. Não há provas de corrupção. Assim que passar a eleição, vou pedir revisão criminal da minha condenação no Supremo”, declarou.
Questionado sobre as declarações de Lula, em 2005, reconhecendo que o PT “errou” e pedindo desculpas ao país, Dirceu afirmou que o ex-presidente se referia apenas à prática de caixa dois. “Foi isso, e nada além. Todos os recursos eram bancários, não havia dinheiro público envolvido”, disse.
Renovação política e disputa em São Paulo
Mesmo às vésperas de completar oito décadas de vida, Dirceu diz não ver contradição entre seu retorno à disputa eleitoral e o discurso de renovação do Congresso. “Não sou renovação geracional, sou candidato porque o presidente pediu e porque acredito que é por justiça. O eleitor vai votar em mim porque sou do PT e tenho uma história”, afirmou.
Ele reconheceu que a disputa em São Paulo é “dura”, mas defendeu a manutenção de Geraldo Alckmin como vice de Lula numa eventual chapa de reeleição. “A contribuição de Alckmin foi fundamental em 2022 e continua sendo. São Paulo é decisivo. Uma chapa forte com Alckmin ou Haddad é essencial”, avaliou.
Fé, juventude e visão sobre os evangélicos
Dirceu, que revelou ter uma filha evangélica, disse que o PT vem aprendendo a dialogar com esse público e que nem todos os fiéis seguem uma linha conservadora. “Pelo menos um terço dos evangélicos vota no Lula. O problema não é religioso, é de agenda. Muitos jovens evangélicos hoje estão no trap, com outro comportamento. É uma geração diferente”, afirmou.
Para ele, o país vive um momento de “profunda politização”, e não apenas polarização. “O Brasil está politizado. O mundo hoje não é mais direita contra esquerda. É a extrema direita combatendo a própria direita”, concluiu.
A entrevista completa foi publicada pela BBC News Brasil.