Juvenal Araújo: “Direitos Humanos e Questão Racial: 10 de Dezembro Como Compromisso Real com a Igualdade”

Juvenal Araújo: “Direitos Humanos e Questão Racial: 10 de Dezembro Como Compromisso Real com a Igualdade”

O Dia Internacional dos Direitos Humanos reforça a urgência de enfrentar desigualdades raciais no Brasil com dados confiáveis, propostas concretas e responsabilidade compartilhada.

O Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado anualmente em 10 de dezembro, marca a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948 — um marco civilizatório que reconhece a dignidade humana como fundamento universal. No Brasil, contudo, quando confrontamos esse ideal com a realidade racial, percebemos que ainda há um longo caminho para que os direitos prometidos no papel sejam vividos plenamente por todos. A pauta racial não é ideológica; é factual. São números consistentes, indicadores oficiais e desigualdades que se repetem há décadas.

O Brasil é a maior nação negra fora do continente africano. Dados do IBGE mostram que 56,1% da população se autodeclara preta ou parda, formando a maioria demográfica do país. Apesar disso, esse grupo permanece com os piores índices em áreas essenciais como educação, saúde, moradia, trabalho e segurança. A distância entre a letra da DUDH e a vivência cotidiana de milhões de brasileiros revela a urgência de medidas mais efetivas.

Na educação, a desigualdade é evidente. O analfabetismo entre pessoas pretas e pardas (8,8%) é mais que o dobro do registrado entre brancas (3,6%). A evasão escolar atinge com mais força adolescentes negros, comprometendo trajetórias acadêmicas e fechando portas ainda na juventude. Educação é direito universal previsto no Artigo 26 da DUDH — mas, no Brasil, a cor da pele ainda influencia a permanência e o desempenho escolar.

Na saúde, os indicadores também mostram disparidades profundas. Mulheres negras enfrentam maior risco de morte materna e têm menos acesso a pré-natal adequado. Doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, apresentam maior prevalência entre a população negra, ao mesmo tempo em que diagnósticos são feitos mais tardiamente. A anemia falciforme, predominante nesse grupo, segue com subdiagnóstico e baixa cobertura de tratamento em muitos estados. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) avança, mas sua execução ainda depende de maior planejamento, financiamento e compromisso federativo.

A desigualdade no mercado de trabalho é outro retrato importante. Pessoas negras recebem, em média, 40% menos que pessoas brancas, mesmo quando possuem o mesmo nível de escolaridade. Elas são maioria nos empregos informais, de menor remuneração, e minoria nos cargos de liderança e tomada de decisão. Isso afeta diretamente mobilidade social, estabilidade econômica e projeto de vida — todos pilares da dignidade humana.

A segurança pública, por sua vez, evidencia a face mais grave da desigualdade racial. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 77,5% das vítimas de homicídio no Brasil são pessoas negras. Essa realidade revela que o direito mais básico — o direito à vida — ainda não é igualmente garantido. Fatores como vulnerabilidade territorial, falta de oportunidades e ausência de políticas preventivas ampliam um ciclo de violência que insiste em atingir sempre os mesmos corpos e territórios.

Diante desse cenário, o Dia Internacional dos Direitos Humanos não deve ser encarado apenas como uma celebração, mas como uma convocação. É um chamado ao Estado, às instituições, às empresas e aos cidadãos para reconhecer que a igualdade racial é uma responsabilidade coletiva, e não uma pauta restrita a movimentos sociais ou especialistas.

Avançar exige três pilares fundamentais.
Primeiro, políticas públicas estruturadas e permanentes, com metas mensuráveis, orçamento estável e mecanismos de avaliação. Implementar a PNSIPN, fortalecer ações afirmativas, consolidar a coleta de dados raciais e ampliar estratégias de prevenção à violência são medidas que impactam diretamente a qualidade de vida da maioria da população brasileira.

Segundo, educação e formação continuada. Profissionais de saúde, segurança, assistência social e educação precisam de capacitação para reconhecer desigualdades e agir de forma técnica, ética e humanizada. O combate ao racismo institucional passa por processos de revisão, atualização e monitoramento constantes.

Terceiro, responsabilidade individual e institucional. Empresas podem criar ambientes inclusivos e oportunidades reais de ascensão. Escolas podem valorizar a história e a identidade da população negra. Cidadãos podem rever práticas, falas e atitudes que alimentam desigualdades. O racismo não se combate apenas no plano das políticas: combate-se também na convivência diária.

Celebrar o 10 de dezembro é reafirmar um pacto com a democracia e com a humanidade. É admitir que não há direitos humanos plenos enquanto desigualdades raciais persistirem. É compreender que o enfrentamento ao racismo é um dever moral, estratégico e civilizatório — uma condição indispensável para que o Brasil avance como nação justa, segura e próspera.

Esse dia nos lembra que igualdade não é uma promessa. É uma construção. E que essa construção só será possível quando o país assumir, com seriedade, que direitos humanos e justiça racial caminham lado a lado.