
O artigo de Marcus Pestana reflete ironicamente sobre a atual conjuntura política brasileira, contrastando a luta pela redemocratização travada por “democratas e progressistas” nos anos 70 que culminou na Anistia, Diretas Já e na Constituição de 1988 com o discurso contemporâneo da direita que, apesar de ter apoiado a Ditadura Militar, hoje grita “abaixo a ditadura”.
Há 50 anos, nós, democratas e progressistas, lutávamos pela redemocratização. Hoje é a direita brasileira que esbraveja “abaixo a ditadura”
O mundo dá voltas e o destino prega peças. Não deixa de ser irônica a atual conjuntura. Há 50 anos, nós, democratas e progressistas, lutávamos pela redemocratização. Hoje é a direita brasileira, que dava suporte à ditadura militar, que esbraveja “abaixo a ditadura”, “anistia já”. É claro que as duas situações não têm nenhum paralelo.
Nos anos 1970, a partir da anticandidatura de Ulysses Guimarães à Presidência da República, em 1973, e da esmagadora e inesperada vitória do MDB nas eleições de 1974, tomaram forma a frente e a agenda democráticas.
Alinhavada por setores da esquerda democrática, concebeu-se uma estratégia que previa três passos: anistia ampla, geral e irrestrita; constituinte livre e democrática; e eleições diretas para a Presidência da República. Em torno dessa plataforma uniram-se conservadores democratas, liberais, trabalhistas, democratas-cristãos, social-democratas e a esquerda democrática.
A anistia negociada foi aprovada em agosto de 1979, ainda no governo do general João Figueiredo. A maior campanha popular da história do Brasil, a das Diretas Já, tomou as ruas do país e preparou terreno para o atalho construído. Sob a liderança de Tancredo Neves, encurtamos o caminho e colocamos fim à ditadura, em janeiro de 1985, derrotando Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. O novo governo convocou a Constituinte, concluída em 1988, e as eleições diretas para presidente da República, realizadas em 1989, encerrando vitoriosamente a transição democrática.
Hoje, a situação é completamente diversa. Vivemos o mais longo período democrático de nossa história em clima de ampla liberdade: eleições livres, Constituição e leis democráticas em vigor, Poderes autônomos e independentes, instituições fortalecidas, liberdade de organização, expressão, imprensa, partidária.
No entanto, muitos afirmam que vivemos uma ditadura em função das ações do STF e de alguns movimentos de regulação das plataformas digitais. Ao me deparar com isso, lembro-me sempre do “Paradoxo da Tolerância” do pensador liberal Karl Popper, que propugnava que a democracia não poderia ser tolerante com os intolerantes, sob pena de levar ao desaparecimento a própria tolerância.
Winston Churchill foi o maior responsável pela sobrevivência da democracia contemporânea, ao isoladamente enfrentar o nazifascismo, por bom tempo, diante da rápida derrota da França e do retardamento da entrada da URSS e dos EUA na Segunda Guerra. Imaginem se os intolerantes Hitler e Mussolini tivessem sido vitoriosos. Provavelmente nem estaríamos discutindo a democracia como valor universal e permanente.
O grande estadista conservador inglês disse certa vez: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita e sem defeitos. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Creio ser melhor do que o relativismo humorístico de Millôr Fernandes ao dizer que: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Isso poderia reforçar teorias exóticas e conspirativas correntes.
O objetivo central, pois, é o fortalecimento da democracia tão duramente conquistada, o que implica respeito aos diferentes e às diferenças, regras permanentes aceitas por todos, alternância no poder e convivência civilizada.