Paulo Hartung: “Belém: uma ponte”

Na análise de Paulo Hartung, a COP-30 em Belém representa muito mais do que um evento climático — é uma oportunidade histórica para o Brasil mostrar ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento e sustentabilidade. Em meio a um cenário global instável e a desafios internos, o país tem credenciais únicas para liderar a transição verde, com sua bioeconomia, matriz energética limpa e capacidade de restaurar florestas. O autor defende que a Amazônia deve ser vista não como problema, mas como ponte para o futuro, onde a criatividade e a responsabilidade podem transformar desafios em oportunidades.

Paulo Hartung: “Belém: uma ponte”

Com expectativas, ambições e ceticismo, está prestes a começar a COP-30 em Belém. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas tem alta relevância por si só, mas esta edição é especial por duas razões: realiza-se na Amazônia e quando se completam dez anos do Acordo de Paris.

Nas últimas décadas, as COPs difundiram conhecimento, porém não induziram na mesma potência a transformação de compromissos em ação. O mundo sabe o que precisa ser feito, mas tem dificuldade em agir na velocidade necessária, enquanto assistimos a eventos climáticos extremos mais frequentes. Estamos perto de ultrapassar o teto para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, alerta reiterado pela ONU.

Vale lembrar que o prazo original de renovação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) para reduzir as emissões de gases do efeito estufa era fevereiro deste ano. Até o momento, menos de 70 países atualizaram seus compromissos.

Além disso, vemos uma resistência do Hemisfério Norte em aceitar o papel das remoções florestais no combate à mudança do clima. Vide as recentes discussões do Artigo 6.4, que colocam em risco o aproveitamento dessas atividades no mercado de carbono da UNFCCC. Isso ocorre também em outros standards produzidos e promovidos pelos países desenvolvidos, como os definidos no SBTi e GHG Protocol, que não reconhecem o real benefício climático dessas remoções. Trazer lideranças para a maior floresta tropical do mundo deveria servir para a compreensão planetária do modelo de produção tropical.

Como a sombrear um cenário preocupante, chegamos a Belém em conjuntura desafiadora.

Sentiremos o impacto da saída dos EUA pela segunda vez do Acordo de Paris. No contexto global, temos grandes questões geopolíticas, como uma guerra que não mais parecia possível após a arquitetura da União Europeia. Esse fator, aliado às mudanças políticas, tem pressionado países a alocarem recursos para defesa, desviando investimentos que poderiam ser feitos no clima. Coroando o turbulento quadro, temos o recrudescimento do protecionismo a desorganizar o comércio internacional.

Internamente, o Brasil chega à COP-30 com condições domésticas adversas, como a antecipação do calendário eleitoral, que acentua a polarização extremada. A isso, somam-se o desequilíbrio institucional e a crescente desorganização do quadro fiscal.

Enfrentamos problemas como desmatamento ilegal, grilagem, garimpo e outros crimes ambientais. Em paralelo, emergem divergências sobre o Plano Clima e a Taxonomia Sustentável Brasileira.

Embora com os pés no chão, reconhecemos também os acertos. Estamos seguros de que, apesar dos desafios locais, foi correto trazer a COP para Belém. Líderes que por anos discursaram sobre a Amazônia poderão enfim ver de perto o objeto de sua retórica.

O evento está sendo comandado por equipe qualificada, sob a liderança do embaixador André Corrêa do Lago, diplomata experiente que, com Ana Toni, montou uma brilhante constelação de enviados especiais, da qual fazem parte Roberto Rodrigues, André Guimarães, Beto Veríssimo e Marcello Brito, além do High-Level Champion Dan Ioschpe.

O Brasil pode sair desta edição fortalecido como referência de desenvolvimento sustentável, na bioeconomia, exemplo de avanço na transição energética e na descarbonização. Temos credenciais importantes para tanto: a maior floresta tropical do mundo e a maior biodiversidade. Somos uma potência agroambiental, desenvolvendo uma agricultura de baixo carbono, além de apresentarmos matriz energética fortemente baseada em fontes renováveis.

E temos exemplos de soluções baseadas na natureza que podem ser farol a iluminar o caminho. O setor de árvores cultivadas é um deles. Planta, colhe e replanta em 10,5 milhões de hectares. Plantamos 1,8 milhão de árvores por dia, as quais, ao crescer, capturam gás carbônico da atmosfera e estocam em sua biomassa. Além disso, conserva em suas propriedades 7 milhões de hectares de florestas nativas, território maior que o estado do Rio de Janeiro.

Nosso país tem ainda mais de 100 milhões de hectares de áreas antropizadas com algum nível de degradação que podem ser convertidas para diversos fins, inclusive, de restauração de nativas. Isso abre oportunidades para uma atuação estratégica da iniciativa privada – a exemplo de empresas como Symbiosis, Biomas, re.green, Mombak e Carbon2Nature. Companhias dedicadas a restaurar biomas a partir de diferentes modelos de negócio, como os créditos de carbono ou a silvicultura.

A COP-30 é uma chance rara. Não podemos desperdiçá-la ou exagerar em expectativas que virem frustrações. O Brasil tem potencial e boas histórias. A conjuntura aumenta nossos desafios como anfitriões. Liderar exige a maturidade de compreender que a COP, dez anos após Paris, deve ser uma sólida ponte para avançarmos no incontornável enfrentamento da crise climática. Precisamos de lideranças com estratégia e visão de longo prazo. O futuro será de quem souber transformar desafios em oportunidades – para tanto, lugar mais inspirador do que a Amazônia não há.