
O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), que era governador da Bahia na época da pandemia de 2020, vê o cerco judicial se fechar novamente. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, solicitou o prosseguimento do inquérito que apura o desvio de R$ 48 milhões dos cofres públicos, envolvendo a compra de 300 respiradores pelo Consórcio Nordeste que nunca foram entregues. Desde que assumiu seu posto no governo Lula, Costa tem buscado autoridades do Judiciário para dar sua versão sobre o caso, alegando inocência e afirmando que o próprio Consórcio acionou a polícia.
Contudo, a recente movimentação do PGR no Superior Tribunal de Justiça (STJ) aponta para a existência de indícios que justificam a continuidade das investigações. Gonet destacou em seu parecer que, como governador e presidente do Consórcio, Rui Costa assinou o contrato de compra dos respiradores com a previsão de pagamento antecipado e sem as garantias necessárias para proteger o dinheiro público. O ministro se defende, inclusive, de não ter se atentado ao nome da empresa contratada, Hempcare (hemp é maconha em inglês), alegando não dominar o idioma inglês.
A peça mais incisiva no inquérito é a delação premiada de Cristiana Prestes Taddeo, dona da Hempcare, a empresa que embolsou o dinheiro. A revista VEJA teve acesso ao conteúdo da colaboração, no qual a delatora expõe a trama de fraude e a crueldade de saquear os cofres em meio a uma tragédia humana. Cristiana afirma ter sido informada que as ordens de compra daquele período passavam necessariamente pelo crivo do governador e detalha a participação direta de dois lobistas ligados a Rui Costa. Ela afirma ainda ter ouvido de diversas fontes que o governador daria a palavra final sobre o negócio, quando o golpe já estava em andamento.
Tudo começou em abril de 2020, quando Cristiana conta ter recebido uma ligação de Bruno Dauster, então secretário da Casa Civil da Bahia e braço direito de Costa, propondo o negócio de R$ 48 milhões. A empresa recebeu R$ 34 milhões quatro dias depois, e mais R$ 14 milhões em menos de 24 horas, sem contrato ou garantia. As negociações ocorriam por WhatsApp, sem checagem prévia de confiabilidade. Em sua delação, Cristiana Taddeo relata que, “em quase todas as comunicações mantidas com Bruno Dauster ele mencionou que dependia de autorização de Rui Costa para tomar as decisões.” Além disso, para maquiar a fraude, ela admitiu ter fraudado guias de notificação para justificar o atraso dos respiradores, auxiliando Dauster a enganar os demais governadores do Consórcio.
Apesar de não ter tido contato direto com Costa, a delatora disse ter entendido que ele estava ciente do negócio, reforçada por informações de que o ex-ministro Carlos Gabas, que também é investigado, dizia que só atuava com o “ok” de Dauster, que, por sua vez, dizia que a última palavra era do governador Rui Costa. Em meio a esse vaivém judicial de quase cinco anos, a retomada das investigações pelo STJ, impulsionada pelo parecer de Gonet, deve finalmente avançar para punir os responsáveis e afastar qualquer sombra de dúvida sobre os inocentes.