Senadores bolsonaristas evocam direitos humanos para proteger Bolsonaro da Papuda

Relatório cita comida azeda, falta de médicos e risco de morte para pressionar órgãos de direitos humanos

Senadores bolsonaristas evocam direitos humanos para proteger Bolsonaro da Papuda

Um relatório produzido por quatro senadores aliados de Jair Bolsonaro elevou a pressão sobre o destino do ex-presidente, condenado a 27 anos e 9 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado. O documento, enviado a órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos, pinta um retrato dramático do Complexo da Papuda e recomenda que, caso o Supremo Tribunal Federal mantenha a sentença, a pena seja cumprida em casa.

Em 12 páginas, os senadores Damares Alves (Republicanos-DF), Izalci Lucas (PL-DF), Eduardo Girão (Novo-CE) e Márcio Bittar (União-AC) afirmam que a unidade prisional apresenta “deficiências estruturais e procedimentais graves”, incluindo comida “azeda”, falta de médicos 24 horas, risco de contaminação e ausência de condições básicas para presos idosos — categoria na qual Bolsonaro se enquadra.

O documento foi encaminhado à Comissão Nacional dos Direitos Humanos, à Corte Interamericana de Direitos Humanos e ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em uma estratégia que mira organismos externos para reforçar o pedido de prisão domiciliar.

Risco para a saúde do ex-presidente, dizem senadores

A comitiva classificou a visita à Papuda como uma “inspeção técnica” e destacou que o setor destinado a idosos está superlotado. Segundo eles, a unidade reservada a militares — possível destino de Bolsonaro — abriga presos “de altíssima periculosidade”, incluindo Ronnie Lessa, autor confesso do assassinato da vereadora Marielle Franco. Para os parlamentares, isso representaria “risco direto à integridade física” do ex-presidente.

O relatório argumenta ainda que o quadro de saúde de Bolsonaro, marcado por sequelas do atentado a faca de 2018, exige dieta restrita, monitoramento constante e atendimento médico imediato em crises, algo que, segundo os autores, o complexo prisional “não tem condições de oferecer”.

Os senadores afirmam que Bolsonaro enfrenta aderência intestinal recorrente, refluxo, quedas bruscas de pressão e episódios de falta de ar que podem durar mais de 15 segundos, exigindo assistência especializada “em até 20 minutos”.

Falta de médicos, remédios e protocolos emergenciais

O relatório afirma que a Papuda não possui médicos nem farmacêuticos de plantão, e que o atendimento funciona apenas das 9h às 17h em dias úteis. Fora desse horário, emergências dependem de autorização judicial para que o preso seja levado à rede pública.

De acordo com o documento, policiais penais é que fazem a guarda e a entrega de medicamentos, mesmo sem treinamento adequado. Os senadores dizem ter ouvido relatos de detentos sobre falta de remédios e irregularidades em tratamentos essenciais.

O texto aponta ainda que os agentes penitenciários precisam decidir, sem apoio técnico, se uma emergência exige ambulância do Samu ou remoção para hospital — algo que, segundo o relatório, “coloca qualquer preso em risco real de morte”.

Comida imprópria e lixo diário de marmitas

A alimentação é outro ponto explorado pelos parlamentares. Eles afirmam ter recebido múltiplos relatos de presos e agentes sobre alimentos estragados, ausência de proteínas, cardápios desequilibrados e marmitas descartadas diariamente porque seriam impossíveis de consumir.

A narrativa marca uma inversão simbólica: o bolsonarismo, que historicamente critica políticas de direitos humanos para a população carcerária, agora ecoa denúncias comuns de organizações que monitoram o sistema prisional brasileiro.

Pressão política e disputa narrativa

O relatório é, na prática, uma peça política destinada a criar um ambiente favorável à prisão domiciliar, explorando falhas estruturais do sistema penitenciário falhas reconhecidas há décadas por entidades civis, mas agora apresentadas sob o risco potencial à vida de Bolsonaro.

Com o STF prestes a definir os próximos passos da execução penal do ex-presidente, o documento dos senadores busca ganhar força nacional e internacional. A estratégia tenta transformar a situação da Papuda em argumento humanitário para alterar o local de cumprimento da pena, num momento em que o debate sobre segurança, direitos e privilégios volta ao centro da cena política.