Sob Tarcísio, SP é o estado que menos integra políticas de segurança do governo Lula

Baixa adesão paulista a programas nacionais expõe entraves políticos, técnicos e financeiros na cooperação entre União e estados.

Sob Tarcísio, SP é o estado que menos integra políticas de segurança do governo Lula
Eduardo Knapp - 15.ago.25/Folhapress

A política de segurança pública em São Paulo segue um caminho cada vez mais independente da coordenação federal. Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi a que menos aderiu a programas nacionais lançados ou reformulados pelo governo Lula (PT). Entre as 11 iniciativas que dependem de adesão voluntária dos estados, apenas três foram incorporadas pelo governo paulista — um índice que coloca o maior estado do país fora de projetos considerados estratégicos para a integração entre polícias e a padronização de procedimentos.

A Secretaria da Segurança Pública, hoje comandada interinamente devido ao afastamento de Guilherme Derrite (PP-SP) — que assumiu a relatoria do PL Antifacção na Câmara — sustenta que São Paulo já possui sistemas consolidados, modernos e capazes de cumprir os mesmos objetivos das propostas federais. A disputa, no entanto, vai além da esfera técnica e expõe um embate crescente entre modelos de governança, capacidade de cooperação e prioridades políticas.

Especialistas apontam que a baixa adesão deixa o estado alheio a ferramentas nacionais essenciais para unificar boletins de ocorrência, agilizar investigações e cruzar dados criminais em escala nacional. Ao mesmo tempo, reconhecem que a ausência de incentivos robustos por parte do Ministério da Justiça dificulta a integração em estados que já operam sistemas próprios.

Há também um fator financeiro que pesa no cálculo. São Paulo investirá cerca de R$ 20 bilhões em segurança pública em 2025, enquanto a fatia que receberá do Fundo Nacional de Segurança Pública será de aproximadamente R$ 24 milhões — uma discrepância que reforça a autonomia paulista, especialmente diante de programas federais atrelados ao repasse de recursos, como o de qualificação do uso da força e o projeto de câmeras corporais.

Essas câmeras, aliás, são um dos pontos mais sensíveis da gestão Tarcísio. Inicialmente contrário ao equipamento, o governador mudou de posição e passou a defender sua ampliação, anunciando a compra de 15 mil novos dispositivos. Delegados, porém, criticam a lentidão na disponibilização das imagens para investigações internas.

O Ministério da Justiça aponta que estados integrados ao PPe — o Procedimento Policial Eletrônico — conseguem acessar, automaticamente, boletins de outras unidades da federação, facilitando investigações e a localização de pessoas desaparecidas. São Paulo, que opera um sistema próprio e mais robusto, não participa dessa integração, o que limita a troca nacional de informações. Segundo Manoel Carlos de Almeida Neto, secretário-executivo da pasta, isso cria “ilhas de dados” em um país onde facções atuam de forma interestadual.

Ainda assim, o governo paulista argumenta que compartilha informações com o Sinesp e que está implementando um Registro Integrado estadual, que futuramente contribuirá com o banco de dados nacional. Para especialistas, como Renato Sérgio de Lima — do Fórum Brasileiro de Segurança Pública —, a resistência paulista é histórica e se intensificou sob Tarcísio, mas revela também uma falha estrutural do governo federal: oferecer cooperação sem contrapartidas claras.

A discussão pode ganhar novo rumo caso avance a PEC da Segurança, que busca dar ao governo federal maior capacidade de coordenação, à semelhança do que ocorre no Sistema Único de Saúde. A proposta prevê um modelo de governança tripartite, com decisões pactuadas entre União, estados e municípios, criando diretrizes comuns em um setor hoje fragmentado.

Enquanto isso, São Paulo segue fortalecendo sua própria arquitetura institucional. A pergunta que especialistas colocam é se uma política de segurança pública pode prescindir de integração nacional em um país onde organizações criminosas ignoram fronteiras — e se a autonomia paulista representa eficiência ou isolamento diante do avanço de desafios cada vez mais complexos.